sábado, 21 de novembro de 2009

Mente e cérebro – um ensaio

Durante séculos o conteúdo de nosso crânio foi visto como algo relativamente sem importância. Quando mumificavam os mortos, os egípcios antigos retiravam os cérebros e os jogavam fora, mas preservavam o coração com todo cuidado. Na Antiguidade, o grego Aristóteles acreditava que o cérebro funcionasse como uma espécie de radiador para esfriar o sangue. Já o francês René Descartes dizia que era um tipo de antena pela qual o espírito poderia se comunicar com o corpo.
Até aproximadamente um século, a única evidência de que o cérebro e a mente estivessem conectados derivava de “experiências naturais”: acidentes em que lesões cerebrais desencadeavam sintomas inusitados nos pacientes. Médicos abnegados delineavam as áreas afetadas observando as vítimas vivas – e associavam seus déficits às áreas lesionadas. A pesquisa era marcada pela lentidão das descobertas, já que era necessário esperar que as pessoas morressem para que fosse possível investigar a evidência fisiológica. Como resultado, até o início do século XX, todo o conhecimento sobre a base física da mente poderia ser abrigado em um único volume.
Desde então, avanços científicos e tecnológicos alimentaram uma revolução neurocientífica. Microscópios potentes tornaram possível observar em detalhe a intrincada anatomia cerebral. A compreensão cada vez maior sobre condução elétrica permitiu o reconhecimento das dinâmicas neurológicas e, mais tarde, com o advento da eletroencefalografia (EEG), sua observação e medição. Por fim, o desenvolvimento dos aparelhos de imageamento funcional permitiu que cientistas observassem o cérebro vivo em funcionamento. Nos últimos 20 anos, a tomografia por emissão de pósitrons (PET, na sigla em inglês), a ressonância magnética funcional (RMf) e, mais recentemente, a magnetoencefalografia (MEG) possibilitaram a produção de um mapa ainda mais detalhado das funções cerebrais.
Hoje podemos apontar o conjunto de circuitos que mantém nosso processo vital ativo, as células que produzem os neurotransmissores, as sinapses onde os sinais saltam de uma célula para outra e as fibras neurais que – entre tantas outras funções – transmitem dor ou movimentam nossos membros. Já temos informações sobre como os órgãos dos sentidos convertem raios de luz e ondas de som em sinais elétricos e podemos traçar as vias percorridas por eles até as áreas especializadas do córtex que respondem a eles. Sabemos que esses estímulos são pesados, avaliados e transformados em emoções pela amígdala – pequeno e valioso pedaço de tecido em forma de amêndoa situado na profundidade do lobo temporal.
Percebemos o hipocampo associado ao processo de retenção de memórias, bem como observamos o córtex pré-frontal fazer um julgamento moral. É possível reconhecer os padrões associados à diversão e à empatia – e mesmo a satisfação de ver a derrota de um adversário. Os resultados dos estudos de imageamento revelam o cérebro como um sistema surpreendentemente complexo e sensível, no qual cada parte influencia quase todas as outras. A cognição sofisticada, executada pelos lobos frontais, por exemplo, garante um feedback que afeta a experiência sensorial – de forma que o que vemos quando observamos um objeto é moldado pela expectativa, assim como pelo efeito da luz que atinge a retina. Por outro lado, a produção mais aprimorada e complexa do cérebro depende de seu mecanismo mais básico. Julgamentos intelectuais, por exemplo, reações corporais percebidas por nós, como emoções; e a consciência pode ser reprimida por uma lesão no modesto tronco encefálico.
Alguns estudos têm sido realizados no campo da robótica, para análise de Inteligência artificial – a máquina que pensa – ou ciborgue – expansão da mente, desde clássicos trabalhos de Andy Clark **, simulando perguntas e respostas, solução de equações complexas, e até mesmo tomadas de decisões e respostas emocionais.... com resultados que, até o presente momento, só parecem ser um tanto mais atraentes se levados ao ‘estado da arte’, como o fez Spielberg em seu filme A.I. Artificial Intelligence
FILOSOFANDO –
A primeira questão colocada pela filosofia da mente é a seguinte: serão mente e corpo a mesma coisa?
Nesse caso, será o pensamento apenas um produto do meu cérebro — que produziria pensamentos da mesma forma que o meu pâncreas produz insulina? Qual é a natureza dos fenômenos mentais?
A “alma” é representação da mente, ou de funções cerebrais? Nossas emoções e vontade se devem apenas a fenômenos biológicos com a finalidade de satisfazer funções fisiológicas básicas, ou vai além?
Desde o aparecimento dos trabalhos de Ramón y Cajal, nenhuma outra disciplina se desenvolveu tanto neste século XX quanto a neurociência. Até então muitos achavam que o sistema nervoso era um conjunto de vias neurais contínuas, subdivididas em minúsculos filamentos (nervos), cuja função seria comunicar o meio externo ao meio interno de nosso corpo, e com a finalidade de regulação e proteção, para o equilíbrio do meio interno.
Dispomos hoje de um conhecimento bastante preciso do funcionamento cerebral e das suas unidades básicas, bem como das reações químicas que nele ocorrem, através de neurotransmissores e receptores. Essas combinações tornam-no uma máquina extremamente poderosa, na medida em que são capazes de gerar configurações e arranjos variados num número astronômico.
Contudo, o grande desafio que a neurociência ainda enfrenta é a dificuldade (ou será uma impossibilidade?) de relacionar o que ocorre no cérebro com aquilo que ocorre na mente, ou seja, de encontrar algum tipo de tradução entre sinais elétricos das células cerebrais e aquilo que percebo ou sinto como sendo meus pensamentos.
Se ninguém pode observar a percepção que ocorre em mim, e se ninguém os encontra no meu cérebro, então posso formular duas perguntas: Onde estarão eles a ocorrer? E o que serão eles se — pelo menos inicialmente — não posso supor que sejam objetos como quaisquer outros que se apresentam diante de mim, como parte da natureza?
Estas duas questões estão na origem da determinação daquilo a que chamamos «subjetividade». Aquilo que percebo, existe para mim, pelo menos momentaneamente. Se ninguém mais pode observá-las, posso então dizer que estes são estados subjetivos (pensamentos, e emoções). Os estados subjetivos encontram-se na nossa mente, mas não na natureza. Eu preciso de uma mente para ter estados subjetivos.
Surge então uma pergunta preliminar: mas o que são as mentes? Se as mentes se caracterizam por ter estados subjetivos e esses não se encontram na estrutura física do meu cérebro, estaremos então a afirmar que não precisamos de cérebros para ter mentes? O problema que enfrentamos consiste em definir que tipo de relação existe entre a mente e o corpo ou entre a mente e o cérebro.
Podemos começar por considerar qual estratégia poderíamos adotar para abordar esse problema. Uma delas consiste em apostar no avanço progressivo da ciência e supor que o problema da relação mente e cérebro seja um problema empírico, ou seja, um problema científico como qualquer outro que algum dia acabará por ser desvendado.
O grande avanço da neurociência nos últimos anos e a progressiva e tentadora possibilidade de explicar a natureza do pensamento através da estrutura química do cérebro seria uma boa razão para adotar essa estratégia. Outra estratégia consiste em apostar que esse é um problema que ultrapassa os limites daquilo que a ciência pode vir a esclarecer. Qualquer uma das estratégias significa uma aposta que, de uma forma ou de outra, envolve uma tomada de decisão em favor de algum tipo de imagem do mundo.
Um exame preliminar de como a relação entre mente e cérebro poderia ser concebida parece forçar-nos a optar por dois tipos de alternativas básicas: ou os estados mentais (e estados subjetivos) são apenas uma variação ou um tipo especial de estados físicos (monismo); ou os estados mentais e subjetivos definem um domínio completamente diferente — e talvez à parte — dos fenômenos físicos (dualismo). A primeira sugere que existem apenas cérebros e que os estados subjetivos podem ser apenas uma ilusão a ser desfeita pela ciência. A segunda aposta na existência de algo a que chamamos "mentes" que, para alguns, só poderia ser explicado pela religião ou pela adoção de uma visão mística do mundo.
Nesse sentido o problema mente-cérebro é também visto como um problema ontológico: é preciso saber se o mundo é composto apenas de um tipo de substância, ou seja, a substância física, e se a mente é apenas uma variação desta última, ou se, na verdade, nos defrontamos com dois tipos de substâncias totalmente distintas, com propriedades irredutíveis entre si. Por outras palavras: há duas substâncias ou uma só? Há uma realidade ou pelo menos duas? Se há duas realidades, um mundo da matéria e outro imaterial, de que lado devemos situar as mentes? E para expor em palavras.. seria necessário um TRATADO.... e não apenas este simples ensaio.
Texto adaptado

http://www.redesparalaciencia.com/
**www.filosofiadamente.org/images/stories/textos/ciborgue.doc
Fontes: ‘Mente, Cérebro e Cognição – Teixeira, J.F. – (Petrópolis: ed. Vozes, 2000), pp.15-17.
http://www2.uol.com.br/vivermente/reportagens/misterios_do_cerebro_4.html
http://www.filosofiadamente.org/content/blogcategory/3/5/ (bibliografia extensa)
http://www.ufscar.br/~djte/ (bibliografia extensa e um curso disponível no site da UFSCar)
http://philosophy.uwaterloo.ca/MindDict/C.html (Dicionário de filosofia a mente)
http://www.npcc.com.br/index.html (núcleo de psicologia cognitivo comportamental)

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